Na manhã de 15 de dezembro de 2025, o São Paulo Futebol Clube entrou em crise política após o vazamento de um áudio de 44 minutos que expõe um suposto esquema de venda clandestina de camarotes durante o show da cantora Shakira no Estádio do Morumbi em fevereiro daquele ano. Os envolvidos — Douglas Schwartzmann, diretor adjunto do futebol de base, e Mara Casares, diretora de eventos e ex-esposa do presidente Julio Casares — solicitaram licença imediata de seus cargos. Mas o que parecia um caso isolado de corrupção interna já se transformou em um escândalo capaz de derrubar a gestão completa do clube.
Um camarote que ninguém deveria vender — e que todos sabiam onde ficava
O epicentro do escândalo é o camarote 3A, identificado nos documentos internos do clube como “sala da presidência”. Localizado no setor leste do Morumbi, exatamente em frente ao escritório de Julio Casares e do superintendente Marcio Carlomagno, o espaço é oficialmente reservado para reuniões estratégicas e entrevistas. Nada de venda. Nada de aluguel. Nada de ingressos. Mas, segundo as gravações, isso era apenas uma formalidade. Em uma das conversas, Schwartzmann admite: “Ganhei com o repasse dos camarotes”. Mara Casares, por sua vez, revela que recebeu o camarote de Carlomagno — o braço direito do presidente e principal articulador da campanha eleitoral de 2026.A pressão era clara: Mara tentava forçar Rita de Cássia Adriana Prado, uma terceira envolvida, a retirar um processo criminal na 34ª Delegacia de Polícia de São Paulo sobre a venda de 60 ingressos para Carolina Lima Cassemiro, que não pagou integralmente. “Você vai f*** com a vida da Mara”, disse Mara, em tom desesperado. A frase soa como um grito de alerta — não só por sua vulgaridade, mas por revelar que ela sabia exatamente o que estava fazendo e temia as consequências.
Quem sabia? E quem fingiu que não sabia?
A localização do camarote é o ponto mais delicado. Não é um espaço escondido no fundo do estádio. Não é um cômodo abandonado. É o lugar onde o presidente e seu superintendente trabalham todos os dias. “É praticamente impossível afastar a hipótese de ciência por parte do mandatário máximo do clube”, afirmou o Movimento Salve o Tricolor Paulista, grupo de oposição que já reuniu 41 das 52 assinaturas necessárias para exigir o afastamento de Julio Casares e Marcio Carlomagno. A regra do clube exige 20% dos conselheiros para convocar uma assembleia de emergência. Falta pouco. E o tempo está correndo.Marcio Carlomagno, por outro lado, mantém a linha dura: “Quem tiver responsabilidade vai responder dentro da sua esfera”. Mas isso soa como um jogo de palavras. Ele é o superintendente. Ele entregou o camarote. Ele é o responsável pela logística de eventos. E ainda assim, diz que só sairá se houver “evidência direta”. O que é evidência direta? Um áudio em que ele diz “venda esse camarote”? Ou basta que ele soubesse e não impedisse?
As vozes que tentam salvar o clube — e as que só querem derrubar
Enquanto a oposição avança com a campanha de afastamento, Mara Casares tenta se defender em mensagens privadas. “Os áudios foram distorcidos. Foram usados com viés político”, diz ela. Mas isso não explica por que ela pediu para tirar um processo judicial que poderia expor o clube. Nem por que, em outro trecho, ela diz: “O São Paulo vai ter que declarar que aquele camarote não era comercializado, que foi clandestino...”. Ela não está negando o esquema. Ela está tentando controlar os danos.O próprio clube, em nota oficial, disse apenas que “tomou conhecimento pelo jornalismo” e que “realizará a devida apuração”. Nada de demissões. Nada de suspensões. Nada de transparência. Só uma promessa. Isso alimenta a desconfiança. Porque, no futebol brasileiro, quando um clube espera uma investigação para agir, geralmente já está tarde demais.
O que vem a seguir? Uma sindicância, e talvez o fim de uma era
A sindicância interna já começou. Todos os envolvidos serão ouvidos. Os documentos da 34ª DP, as 81 páginas do processo, os áudios — tudo será analisado. Mas o que está em jogo não é só a ética. É a credibilidade. O São Paulo vive uma crise de identidade: de um lado, o torcedor que quer um clube limpo; de outro, uma gestão que parece acreditar que o poder é um direito adquirido, não um mandato.Se o relatório final apontar que Julio Casares sabia — ou deveria saber —, o afastamento será inevitável. Se não houver punição, o clube pode perder patrocínios, sofrer sanções da CBF e, pior, ver sua torcida se desgarrar. Em 2025, o Morumbi lotou para Shakira. Mas a plateia que pagou R$ 3.200 por um ingresso de camarote não quer saber de esquemas. Ela quer respeito.
Por que isso importa para o torcedor comum?
Porque quando um clube vende o que é público como privado, ele vende a alma. O Morumbi não pertence a Julio Casares. Nem a Marcio Carlomagno. Nem a Mara Casares. Pertence aos 47 milhões de torcedores que, em 2024, pagaram R$ 1,2 bilhão em bilhetes, camisas e produtos. Quando o camarote da presidência vira um mercado negro, o torcedor que paga R$ 120 no ingresso comum vê que o sistema foi feito para os que têm poder — e não para os que têm paixão.Frequently Asked Questions
Como o esquema de venda de camarotes funcionava no Estádio do Morumbi?
O camarote 3A, oficialmente chamado de "sala da presidência", era usado para reuniões internas, mas foi alugado clandestinamente durante o show de Shakira. Os envolvidos repassavam ingressos a terceiros, como Carolina Lima Cassemiro, que pagou parcialmente — cerca de R$ 60 mil de um total de R$ 180 mil — e depois não cumpriu o acordo. O dinheiro não passava pela contabilidade do clube, evitando impostos e fiscalização.
Por que a localização do camarote é tão importante?
O camarote 3A fica exatamente em frente ao escritório do presidente Julio Casares e do superintendente Marcio Carlomagno. Isso significa que, se alguém estivesse fazendo negócios ali, era impossível não saber. A oposição argumenta que, nesse contexto, a alegação de desconhecimento é absurda — e isso fortalece o pedido de afastamento do presidente.
O que pode acontecer com Douglas Schwartzmann e Mara Casares?
Eles já pediram licença, mas isso não protege de punições futuras. Se a sindicância comprovar participação ativa no esquema, podem ser punidos com suspensão de mandato, multas éticas e até processos trabalhistas. Mara, por ser ex-esposa do presidente, também pode enfrentar investigações por conflito de interesses. Ambos correm risco de serem banidos de cargos em clubes por cinco anos.
Julio Casares será afastado?
Ainda não há decisão final. Mas a oposição precisa de 52 assinaturas — já tem 41. Se conseguirem, convocarão uma assembleia que pode votar seu afastamento cautelar. Se a sindicância apontar que ele teve conhecimento — ou negligência —, a pressão da torcida e das sponsors pode forçar sua saída, mesmo sem votação. O clube vive seu pior momento desde 2015.
O que o São Paulo perde com esse escândalo?
Além da imagem, o clube corre risco de perder patrocínios de marcas que valorizam ética, como Itaú e Nike. A CBF pode aplicar multas por má gestão. E, mais grave, a torcida pode abandonar os estádios. Em 2024, o São Paulo teve média de 32 mil espectadores. Se a crise persistir, essa média pode cair para menos de 20 mil — e a receita com bilheteria pode perder até R$ 80 milhões por ano.
Há precedentes desse tipo de escândalo no futebol brasileiro?
Sim. Em 2019, o Flamengo foi investigado por venda irregular de camarotes no Maracanã durante shows, e o ex-presidente Edmundo foi afastado. Em 2021, o Palmeiras teve um diretor preso por desvio de ingressos. Mas nenhum caso envolveu tão diretamente a família do presidente e um espaço tão simbólico quanto a "sala da presidência". O São Paulo pode ser o primeiro clube a perder seu presidente por um esquema de camarote.